Olófin reinava em Ifè e tinha uma filha chamada Oya, que era desejada por Ìkú, a Morte. Ìkú era muito feio e estava sempre disposto a fazer o mal às pessoas. Seu costume preferido era levar qualquer pessoa para o cemitério, de onde ela nunca regressava. Certo dia ele foi até o palácio de Olófin e revelou seu desejo de casar-se com Oya. Olófin ficou surpreso com o pedido e lhe fez uma proposta: “Está bem, você poderá se casar com Oya, desde que se comprometa a trazer-me cem cabeças de gado.” Esta foi a maneira de se livrar de Ìkú, pois sabia que ele não poderia cumprir o pedido em razão de estar sempre sem dinheiro e nada ter na vida.
Ìkú, que era, por sua vez, muito esperto, se deu conta de que Olófin, na verdade, não queria lhe entregar Oya, e, então, pensou em fazer uma contraproposta: “Para que queres cem cabeças de gado se posso fazer-lhe uma oferta melhor? Posso lhe trazer um homem que vale mais do que todas as rezes juntas e que irá trabalhar para você o resto da vida.” Olófin lhe perguntou: “E quem é essa pessoa?” Ìkú revelou: “É Àwòrò, o conhecedor de todos os poderes do bem e do mal, os que curam e os que matam.”
Olófin aceitou o que foi proposto por Ìkú, porque sabia que Àwòrò era muito religioso e cumpridor de seus deveres, fazendo tudo que os Òrìsà mandavam. Era homem de poucos amigos, entre eles o Ògá(o mesmo que Ogan), e o Àgbò, o carneiro. Não bebia e nem jogava, e, o mais importante, não tinha nenhuma relação com Ìkú. Olófin não se preocupou, pois sabia que Ìkú não teria como obrigar Àwòrò contra a sua vontade.
Ìkú saiu de lá, pensando em como cumprir com o prometido, quando no caminho avostou Àgbò, o carneiro, vindo em sua direção. Aproveitou a oportunidade, contou-lhe a conversa que havia tido com Olófin e lhe fez uma promessa: “Se me ajudares, eu te asseguro que nunca te levarei para o cemitério, ou seja, nunca morrerás.” Àgbò, apesar de amigo de Àwòrò, aceitou a proposta de Ìkú, mas disse que precisaria da ajuda de Ògá, a quem deveria fazer-lhe a mesma promessa. Isto feito, Ògá se comprometeu a ajuda-lo. Eles iriam levar Àwòrò ao cemitério naquela mesma noite.
Nesse meio-tempo, Oya tomou conhecimento do acordo entre Olófin e Ìkú, e resolveu ir até a casa de Òrúnmìlà, para uma consulta. E ele lhe disse: “Ìkú poderá até conseguir o que deseja, mas a traição dos amigos porá tudo a perder. Você, porém, poderá salva-lo se for ao cemitério e enfrentar Ìkú.” Oya temia Ìkú e, mais ainda, o cemitério, mas decidiu não dizer nada.
Naquele momento, Àwòrò estava em seu trabalho religioso, realizando suas orações, quando foi orientado a não abrir a porta para ninguém depois de se deitar. Por isso, ao chegar em casa fechou as portas mais cedo do que de costume, observando que elas estivessem bem trancadas. Não levou muito tempo, quando ouviu baterem na porta. Recostou-se na cama perguntando quem poderia ser. Ògá se identificou, dizendo que trazia para ele doce de coco, pois sabia que ele gostava muito daquele doce. Mesmo assim Àwòrò disse que não iria abrir a porta, pois já estava deitado. Ògá voltou para Àgbò, perguntando o que fazer. Àgbò pegou o doce de coco e, chegando até a porta, disse: “Àwòrò, somos seus melhores amigos. Se você não pode sair, abra um pouco a porta para que possamos lhe entregar o doce de que tanto gostas.” Àwòrò sentiu um desejo muito forte, e falou consigo mesmo: “O que pode me acontecer se eu abrir um pouquinho a porta?” Desceu e foi abrir a porta, quando o agarraram e se dirigiram ao cemitério.
Era uma noite bem escura, e todos estavam com medo de entrar, mas não viram outro jeito. Não tinham avançado muito, quando diante deles se apresentou Ìkú em sua verdadeira forma: todos os ossos à mostra. Era pura caveira. Ao ver o susto nos olhos dos dois, Ìkú os acalmou e eles se recompuseram.
Contam que Àwòrò estava ali, mas que, no momento de ser entregue, surgiu entre os dois Oya, em meio a ruídos de raios, coriscos e ventanias. Os três saíram correndo espavoridos. Aproveitando o momento, Oya, para libertar Àwòrò, disse-lhe: “O doce de coco quase lhe custa a cabeça.”
Àgbò, ao sair correndo, passou pelo palácio de Olófin feito um bólido. Olófin veio vê-lo passar, suspeitando que algo de anormal estava acontecendo. Chamou seus guardas e pediu que trouxessem Àgbò. Isto feito, exigiu que contasse o que havia acontecido. Quando Àgbò acabou de contar, Olófin mandou buscar Ìkú, Àwòrò, Ògá e Oya. Ao te-los todos à sua frente, falou-lhes: “Ìkú, com a sua maneira habitual de conseguir as coisas, o que de outra forma teria sido impossível, eu te condeno a que, de hoje em diante, não tenha amigos, nem bens, nem casa, nem nada. Que nunca sejas bem-vindo em nenhum lugar. Que vagues por todas as partes, por toda a eternidade em sua forma verdadeira.”
Olófin continuou em seu julgamento: “Àgbò, tu traíste o teu melhor amigo por querer a vida eterna; irás morrer quantas vezes um Òrìsà necessitar de ti. Quanto a Ògá, tu és culpado do mesmo delito; portanto serás condenado a que não descanses nunca e terás que estar à frente em todos os trabalhos que surgirem e sempre que for solicitada a tua presença. A ti, Àwòrò, eu não direi nada, pois o susto que passou por não obedeceres ao que os Òrìsà te determinaram já é o suficiente.”
E, por último, Olófin se dirigiu a Oya: “Tu salvaste a vida de Àwòrò e demonstraste a falsidade de dois amigos, mas sobretudo perdeste o medo de Ìkú. De hoje em diante serás a dona do cemitério e de tudo o que estiver dentro dele. Ìkú, que quis fazer-te mulher dele, de agora em diante será teu escravo e trabalhará para ti eternamente.” Dizendo isso, retirou-se satisfeito, certo de ter feito justiça.
NOTAS:
Olófin: Título que indica a função de um legislador e que vem de Oní, prefixo que indica posse ou comando, e Òfin, que significa lei. Oní + Òfin = Olófin. É um título dado a Olódùmarè, o Ser Supremo, como o Senhor das Leis Universais e, em outros casos, a Odùdúwà, como soberano de Ifè.
Ògá: Significa: senhor ou mestre na sociedade Yorubá. No Brasil, a grafia foi modificada para Ogan, um cargo masculino nas casas de Candomblé, também chamado de Pai e merecedor de todas as distinções.
Ìkú: A morte. Na cultura yorubá é vista como personagem masculino.
Oya: Também conhecida como Yánsàn, princesa do reino de Irá. Òrìsà de características guerreiras idênticas às de Sàngó.
Àwòrò: é denominação usada para um sacerdote; literalmente, à: aquele, wò: que olha, orò: pelo ritual.
oloje iku ike obarainanÌkú, que era, por sua vez, muito esperto, se deu conta de que Olófin, na verdade, não queria lhe entregar Oya, e, então, pensou em fazer uma contraproposta: “Para que queres cem cabeças de gado se posso fazer-lhe uma oferta melhor? Posso lhe trazer um homem que vale mais do que todas as rezes juntas e que irá trabalhar para você o resto da vida.” Olófin lhe perguntou: “E quem é essa pessoa?” Ìkú revelou: “É Àwòrò, o conhecedor de todos os poderes do bem e do mal, os que curam e os que matam.”
Olófin aceitou o que foi proposto por Ìkú, porque sabia que Àwòrò era muito religioso e cumpridor de seus deveres, fazendo tudo que os Òrìsà mandavam. Era homem de poucos amigos, entre eles o Ògá(o mesmo que Ogan), e o Àgbò, o carneiro. Não bebia e nem jogava, e, o mais importante, não tinha nenhuma relação com Ìkú. Olófin não se preocupou, pois sabia que Ìkú não teria como obrigar Àwòrò contra a sua vontade.
Ìkú saiu de lá, pensando em como cumprir com o prometido, quando no caminho avostou Àgbò, o carneiro, vindo em sua direção. Aproveitou a oportunidade, contou-lhe a conversa que havia tido com Olófin e lhe fez uma promessa: “Se me ajudares, eu te asseguro que nunca te levarei para o cemitério, ou seja, nunca morrerás.” Àgbò, apesar de amigo de Àwòrò, aceitou a proposta de Ìkú, mas disse que precisaria da ajuda de Ògá, a quem deveria fazer-lhe a mesma promessa. Isto feito, Ògá se comprometeu a ajuda-lo. Eles iriam levar Àwòrò ao cemitério naquela mesma noite.
Nesse meio-tempo, Oya tomou conhecimento do acordo entre Olófin e Ìkú, e resolveu ir até a casa de Òrúnmìlà, para uma consulta. E ele lhe disse: “Ìkú poderá até conseguir o que deseja, mas a traição dos amigos porá tudo a perder. Você, porém, poderá salva-lo se for ao cemitério e enfrentar Ìkú.” Oya temia Ìkú e, mais ainda, o cemitério, mas decidiu não dizer nada.
Naquele momento, Àwòrò estava em seu trabalho religioso, realizando suas orações, quando foi orientado a não abrir a porta para ninguém depois de se deitar. Por isso, ao chegar em casa fechou as portas mais cedo do que de costume, observando que elas estivessem bem trancadas. Não levou muito tempo, quando ouviu baterem na porta. Recostou-se na cama perguntando quem poderia ser. Ògá se identificou, dizendo que trazia para ele doce de coco, pois sabia que ele gostava muito daquele doce. Mesmo assim Àwòrò disse que não iria abrir a porta, pois já estava deitado. Ògá voltou para Àgbò, perguntando o que fazer. Àgbò pegou o doce de coco e, chegando até a porta, disse: “Àwòrò, somos seus melhores amigos. Se você não pode sair, abra um pouco a porta para que possamos lhe entregar o doce de que tanto gostas.” Àwòrò sentiu um desejo muito forte, e falou consigo mesmo: “O que pode me acontecer se eu abrir um pouquinho a porta?” Desceu e foi abrir a porta, quando o agarraram e se dirigiram ao cemitério.
Era uma noite bem escura, e todos estavam com medo de entrar, mas não viram outro jeito. Não tinham avançado muito, quando diante deles se apresentou Ìkú em sua verdadeira forma: todos os ossos à mostra. Era pura caveira. Ao ver o susto nos olhos dos dois, Ìkú os acalmou e eles se recompuseram.
Contam que Àwòrò estava ali, mas que, no momento de ser entregue, surgiu entre os dois Oya, em meio a ruídos de raios, coriscos e ventanias. Os três saíram correndo espavoridos. Aproveitando o momento, Oya, para libertar Àwòrò, disse-lhe: “O doce de coco quase lhe custa a cabeça.”
Àgbò, ao sair correndo, passou pelo palácio de Olófin feito um bólido. Olófin veio vê-lo passar, suspeitando que algo de anormal estava acontecendo. Chamou seus guardas e pediu que trouxessem Àgbò. Isto feito, exigiu que contasse o que havia acontecido. Quando Àgbò acabou de contar, Olófin mandou buscar Ìkú, Àwòrò, Ògá e Oya. Ao te-los todos à sua frente, falou-lhes: “Ìkú, com a sua maneira habitual de conseguir as coisas, o que de outra forma teria sido impossível, eu te condeno a que, de hoje em diante, não tenha amigos, nem bens, nem casa, nem nada. Que nunca sejas bem-vindo em nenhum lugar. Que vagues por todas as partes, por toda a eternidade em sua forma verdadeira.”
Olófin continuou em seu julgamento: “Àgbò, tu traíste o teu melhor amigo por querer a vida eterna; irás morrer quantas vezes um Òrìsà necessitar de ti. Quanto a Ògá, tu és culpado do mesmo delito; portanto serás condenado a que não descanses nunca e terás que estar à frente em todos os trabalhos que surgirem e sempre que for solicitada a tua presença. A ti, Àwòrò, eu não direi nada, pois o susto que passou por não obedeceres ao que os Òrìsà te determinaram já é o suficiente.”
E, por último, Olófin se dirigiu a Oya: “Tu salvaste a vida de Àwòrò e demonstraste a falsidade de dois amigos, mas sobretudo perdeste o medo de Ìkú. De hoje em diante serás a dona do cemitério e de tudo o que estiver dentro dele. Ìkú, que quis fazer-te mulher dele, de agora em diante será teu escravo e trabalhará para ti eternamente.” Dizendo isso, retirou-se satisfeito, certo de ter feito justiça.
NOTAS:
Olófin: Título que indica a função de um legislador e que vem de Oní, prefixo que indica posse ou comando, e Òfin, que significa lei. Oní + Òfin = Olófin. É um título dado a Olódùmarè, o Ser Supremo, como o Senhor das Leis Universais e, em outros casos, a Odùdúwà, como soberano de Ifè.
Ògá: Significa: senhor ou mestre na sociedade Yorubá. No Brasil, a grafia foi modificada para Ogan, um cargo masculino nas casas de Candomblé, também chamado de Pai e merecedor de todas as distinções.
Ìkú: A morte. Na cultura yorubá é vista como personagem masculino.
Oya: Também conhecida como Yánsàn, princesa do reino de Irá. Òrìsà de características guerreiras idênticas às de Sàngó.
Àwòrò: é denominação usada para um sacerdote; literalmente, à: aquele, wò: que olha, orò: pelo ritual.
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