ÓBÁTÀLÁ
ORISALÁ (OBATALÁ/OSALÁ/ÒRÌSÀLÁ/OBÀTÁLÁ)
Òrìsànlá ou Obàtálá na África
“Òrìsànlá ou Obàtálá, “O Grande Òrìsa” ou” Rei do Pano Branco” , ocupa uma posição única e inconteste do mais importante òrìsa e o mais elevado dos deuses iorubás. Foi o primeiro a ser criado por Olodumaré, o deus supremo. Òrìsànlá-Obàtálá é também chamado Òrìsà ou Obà-Ìgbò, o Òrìsa ou o Rei dos Igbos. Tinham um caráter bastante obstinado e independente o que lhe causava inúmeros problemas.
Òrìsànlá foi encarregado por Olodumaré de criar o mundo com o poder de sugerir (àbà) e o de realizar (àsé), razão pela qual é saudado com o título de Aláàbáláàsé. Para cumprir sua missão, antes da partida, Olodumaré entregou-lhe o “ saco da criação” . O poder que lhe fora confiado não o dispensava, entretanto, de submeter-se a certas regras e de respeitar diversas obrigações como os outros òrìsas.
Uma história de Ifa nos conta como, em razão de seu caráter altivo, ele se recusou a fazer alguns sacrifícios e oferendas a Exu, antes de iniciar sua viagem para criar o mundo.
Òrìsànlá pôs-se a caminho apoiado num grande cajado de estanho, seu opá o sorò ou pasoro, o cajado para fazer cerimônias. No momento de ultrapassar a porta do Além, encontrou Exu, que entre as suas múltiplas obrigações, tinha a de fiscalizar as comunicações entre os dois mundos. Exu, descontente com a recusa do Grande Òrìsa em fazer as oferendas prescritas, vingou-me fazendo-o sentir uma sede intensa. Òrìsànlá, para matar sua sede, não teve outro recurso senão o de furar, com o seu pasoro, a casca do tronco de um dendezeiro. Um líquido refrescante dele escorreu: era o vinho de palma. Ele bebeu-o ávida e abundantemente. Ficou bêbado, não sabia, mas onde estava e caiu adormecido. Veio então Olofin-Odùduà, criado por Olodumaré depois de Òrìsànlá é o maior rival deste. Vendo o Grande Òrìsa adormecido, roubou-lhe “o saco da criação”, dirigiu-se à presença de Olodumaré para mostrar-lhe seu achado e lhe contar em que estado se encontrava Òrìsànlá. Olodumaré exclamou: “Se
ele esta neste estado, vá você, Odùduà! Vá criar o mundo!” Odùduà saiu assim do Além e se encontrou diante de uma extensão ilimitada de água. Deixou cair à substância marrom contida no “ saco da criação” . Era terra. Formou-se então um montículo que ultrapassou a superfície das águas.
Aí, ele colocou uma galinha cujos pés tinham cinco garros. Esta começou a arranhar e a espalhar a terra sobre a superfície das águas. Onde ciscava, cobria as águas, e a terra ia se alargando cada vez mais, o que o ioruba se diz ilè nfé, expressão que deu origem ao nome da cidade de ilê Ifé. Odùduà aí se estabeleceu, seguido pelos outros òrìsas, e tornou-se assim o rei da terra.
Quando Oxalá acordou não mais encontrou ao seu lado o “saco da criação”. Despeitado, voltou a Olodumaré. Este, com castigo pela sua embriaguez, proibiram ao Grande Òrìsa, assim como aos outros de sua família, os òrìsas funfun, ou “òrìsas brancos”, beber vinho de palma e mesmo de usar azeite-de-dendê. Confiou-lhe, entretanto, como consolo, a tarefa de modelar no barro o corpo dos seres humanos, aos quais ele, Olodumaré, insuflaria a vida.
Por essa razão, Osalá é também chamado de Alámérere, o “proprietário da boa argila”. Pôs-se a modelar o corpo dos homens, mas não levava muito a sério a proibição de beber vinho de palma e, nos dias em que se excedia, os homens saíam de suas mãos contrafeitos, deformados, capengas, corcundas. alguns, retirados do forno antes da hora, saíam mal cozidos e suas cores tornavam-se tristemente pálidas: eram albinos. Todas as pessoas que entravam nessas tristes categorias são-lhe consagradas e tornam-se adoradoras de Orixalá.
Mais tarde, quando Òrìsànlá e Odùduà reencontraram-se, eles discutiram e se bateram com furor. A lembrança dessas discórdias é conservada nas histórias de Ifá, das quais algumas podem ser encontradas em outra obra. As relações tempestuosas entre divindades podem ser consideradas como transposição ao domínio religioso de fatos históricos antigos. A rivalidade entre os deuses dessas lendas seria a fabulação de fatos mais ou menos reais, concernentes à fundação da cidade de Ifé, tinha como o “ berço da civilização ioruba e do resto do mundo” .Obàtálá teria sido o rei dos igbos, uma população instalada perto do lugar que se tornou mais tarde a cidade de Ifé. “A referência a esse fato não se perdeu nas tradições orais no Brasil, onde Orisalá e freqüentemente mencionado nos cantos como Òrìsa Igbo ou Babá Igbo, “ou òrìsa” ou “ o rei dos
igbos” . Durante seu reinado, ele foi vencido por Odùduà, que encabeçada um exército, fazendo-se acompanhar da dezesseis personagens, cujos nomes variam segundo os autores. Estes são conhecidos pelo nome de awón agbàgbà, “ os antigos” . Esses acontecimentos históricos corresponderiam à parte do mito onde Orixalá foi enviado para criar o mundo (enquanto, na realidade, ele tornou-se o rei dos igbos) e foi no mito que Odùduà tornou-se o rei do mundo, por ter roubado a Orisalá o “ saco da criação” (enquanto, na realidade, ele destronou Òrìsànlá-Obà-Ìgbò, usurpando-lhe o reino).
Odùduà teria vindo do leste, no momento das correntes migratórias causadas por uma invasão berbere no Egito. Esse fato provocou deslocamentos de populações inteiras, expulsando-se progressivamente, umas às outras, em direção ao oeste, para terminar em Borgu, também chamada região dos baribas.
Segundo uns, Odùduà teria vindo de uma longínqua região do Egito ou mesmo de Meca e, segundo outros, de um lugar perto de Ifé, chamado Oké-ara, onde os invasores teriam habitado durante várias gerações.
Não foi sem resistência que Òrìsànlá-Ìgbò perdeu seu trono. Ele reagiu com energia e chegou mesmo a expulsar Oduduwà de seu palácio, onde já se encontrava instalado. Foi ajudado por seus partidários, Orolúéré e Obawinni, mas foi uma vitória de curta duração, pois, por sua vez, foi expulso por Obameri, partidário de Odùduà, e, assim, Òrìsànlá teve que se refugiar em Ideta-Oko. Obameri
instalou-se na estrada que ligava esse lugar e Ifé para impedir, durante muito tempo, a volta de Òrìsànlá a esse lugar. Tendo este perdido o seu poder político, conservou funções religiosas e voltou mais tarde para instalar-se em seu templo em Ideta-Ile. A coroa de Òrìsànlá-Obà-Ìgbò, tomada por Odùduà, teria sido conservada até hoje no palácio do Oòni, rei de Ifé e descendente de Odùduà. Essa coroa, chamada até, é elemento essencial na cerimônia de entronização de um novo Oòni. Os sacerdotes de Òrìsànlá desempenham um papel importante nessas ocasiões. Eles participam de certos
ritos, durante os quais eles próprios colocam a coroa na cabeça do novo soberano de Ifé. Este também, antes da sua coroação, deveria dirigir-se ao templo de Òrìsànlá. Durante as festas anuais, celebradas em Ifé para Òrìsànlá, os sacerdotes desse deus fazem alusão à perda da coroa de Obà-Ìgbò, lembrando seu antigo poder sobre o país antes da chegada de Odùduà e da fundação de Ifé. Além disso. Oòni deve enviar todos os anos um seu representante a Ideta-Oko, onde residiu Òrìsànlá. O representante deve levar oferendas e receber instruções ou a benção de Òrìsànlá.
Os deuses da família de Òrìsànlá-Obàtálá, o “Òrìsa” ou o “Rei do Pano Branco”, deveriam ser sem dúvida, os únicos a serem chamados òrìsas, sendo os outros deuses chamados por seus próprios nomes ou, então, sob a denominação mãos geral de ebora para os deuses masculinos. O termo “Imole”, empregado por Epega, abrangeria o conjunto dos deuses iorubás.
Essa família de òrìsas funfun, os òrìsas brancos, é daqueles que utilizam o _fun (giz branco) para enfeitar o corpo. São-lhe feitas oferendas de alimentos brancos, como pasta de inhame, milho, caracóis e limo da costa. O vinho e o azeite, provenientes do dendê, e o sal são as principais interdições. As pessoas que lhe são consagradas devem sempre se vestir de branco, usar colares da mesma cor e pulseiras de estanho, chumbo ou marfim.
Os òrìsas funfun seriam em número de cento e cinqüenta e quatro, dos quais citamos alguns nomes:
Òrìsá Olufon ajígúnà koari, “aquele que grita quando acorda”;
Òrìsá Ògiyán Ewúléèjìgbò, “Senhor de Ejigbô”;
Òrìsá Obaníjìta;
Òrìsá Àkirè ou Ìkirè, um valente guerreiro muito rico que transforma em surdo-mudo aquele que o negligencia;
Òrìsá Eteko Oba Dugbe, outro guerreiro muito ligado a Òrìsànlá;
Òrìsá Alásé ou Olúorogbo, que salvou o mundo fazendo chover num período de seca
Òrìsá Olójo;
Òrìsá Àrówú;
Òrìsá Oníkì;
Òrìsá Ajagémó, para o qual, durante sua festa anual em Édé, dança-se e representa-se com mímicas um combate entre ele e Olunwi, no qual este último sai vencedor e aprisiona seu adversário. Mas tarde Òrìsá Ajagémó é libertado e volta triunfante para seu templo Ulli Beier sugere que nesta
representação poderia haver uma espécie de reconstituição da conquista do reino Igbo por Odùduà, da derrota de Orixalá no plano temporal e de sua vitória final no plano espiritual.
Òrìsá Jayé em Jayé;
Òrìsá Ròwu em Owu;
Òrìsá Olobà em Obá;
Òrìsá Olúófin em Iwófin;
Òrìsá em Oko;
Òrìsá Eguin em Owú, etc.
William Bascom observa que o ritual da adoração de todos esses òrìsas funfun é tão semelhante que, em alguns casos, é difícil saber se trata de divindades distintas ou simplesmente de nomes e manifestações diferentes de Òrìsànlá.
Òrìsànlá-Óbàtálá é casado com Yemowo. Suas imagens são colocadas um ao lado da outra e coberta por traços e pontos desenhados com _fun, no ilésìn, local de adoração desse casal no templo de Ideta- Ilê, no bairro de Itapa, em Ilê-Ifé.
Dizem que Yemowo foi à única mulher de Òrìsànlá-Óbàtálá. Um caso excepcional de monogamia entre os òrìsas e eboras, muito propensos, como vimos nos capítulos precedentes, a ter aventuras amorosas múltiplas e a renovar facilmente seus votos matrimoniais.
Cerimônias para Òrìsànlá-Obàtálá
As cerimônias públicas para Òrìsànlá em Ilê-Ifé comemoram acontecimentos históricos. Antigamente, as festas duravam nove dias e foram posteriormente reduzidas para cinco. Como estão em concordância com a semana ioruba de quatro dias, começam e terminam no dia consagrado a Obàtálá.
Nos dois casos observados, começaram no dia imediato ao primeiro quarto da lua, respectivamente, em 13 de janeiro de 1977 e em 1º de fevereiro de 1978.
Foram realizados sacrifícios de cabras no templo de Óbàtálá, no ilésìn de Ideta-Ilê, onde se encontram as imagens de Óbàtálá-Òrìsànlá e de sua mulher Yemowo. Uma parte do sangue é derramada sobre as imagens que, em seguida, são lavadas com infusão de folhas colhidas na floresta de Yemowo. Essas folhas são de diferentes variedades, entre as quais figuram as plantas calmantes: Ódúndún (Kalanchoe crenata), àbámódá (Bryophyllum pinnatum), òwú (Gossypium sp.), efinrin (Ocimun viride), rinrin
(Peperomnia pellucida), tétérégun (Costus afer), etc. Em seguida, as duas imagens são enfeitadas com uma série de traços e pontos brancos feitos com _fun. O sacerdote mais importante, o Óbàlásé, guarda de Obàtálá, e Óbàlásé, guarda do Òrìsà Alásé, dança por muito tempo nesse primeiro dia ao som dos tambores ìgbìn, próprio do culto de Òrìsànlá. São tambores pequenos e baixos, apoiados
sobre pés, um macho e outro fêmea. O ritmo é marcado pelos eru, ferros achatados em forma de “T” “T”, batidos uns no outro.
No dia seguinte, Óbàlálé e Obàlásé fazem abluções com as mesmas infusões que serviram na véspera para Òrìsànlá e Yemowo; seus corpos são igualmente enfeitados com desenhos feitos com _fun. As imagens são bem enroladas em pano branco e levadas, de manhã cedinho, em procissão desde Ideta- Ilê até Ideta-Oko. Todos os ingredientes da oferenda — ibó òrìsà — a ser feita são levados até lá. Essa oferenda consta de dezesseis caracóis, dezesseis ratos, dezesseis peixes, dezesseis nozes de cola e
limo da costa. O dia será passado em Ideta-Oko, lembrando o exílio de Òrìsànlá-Obà-Ìgbò quando teve de deixar o palácio de Ifé.
No momento da chegada à floresta, faz-se uma pequena parada diante de uma árvore isìn, “a que é adorada”, e o cortejo penetra mais adentro numa vasta clareira, cercada de grandes árvores e margeada de montículos de terra que parecem ser ruínas de construções antigas. No centro, encontra se uma espécie de grande pote emborcado com um pequeno furo a meia altura, através do qual pode se ver o crânio de animais sacrificados nos anos anteriores. As imagens são desenroladas e colocadas no chão, de costas para o pote; Òrìsànlá à direita e Yemowo à esquerda, como no ilésìn em Ideta-Ilê.
Todos os participantes sentam-se em silêncio na floresta calma e sombria. Pouco a pouco a multidão se amontoa. Os tambores ìgbìn tocam de vez em quando, acompanhando os cantos e os oríkì de Obàtálá e Yemowo. Sacrifica-se uma cabra. Faz-se uma adivinhação, com as quatro partes de uma noz de cola, para saber se os deuses estão satisfeitos. A cabeça do animal é separada do corpo e jogada embaixo do grande pote. Recomeçam os cantos acompanhados pelos tambores. Os sacerdotes
dançam. Obàlálá, com ar distante e crispado, está em transe, possuído por Òrìsànlá.
No entardecer, dois mensageiros do Oòni de Ifé chegam e param à entrada da floresta, perto da árvore isìn. Traz da parte de seu senhor, descendente de Odòduwà, uma cobra como oferenda; antigamente era um ser humano que deveria ser sacrificado. O animal é levado para uma pequena clareira, contígua ao local da reunião. Já quase à noite e a cabeça do animal é presa no chão por uma forquilha. Óbàlásé, com o rosto tenso e entorpecido pelo transe, dança ao redor da pequena clareira e faz várias idas e vindas ao local onde estão as imagens dos òrìsas. Em seguida, ele pega um dos ferros eru, em forma de “T” “T”, e com ele bate com força na cabeça da cabra, matando-a. Molha suas mãos no sangue que escorre do corte e vai passá-las na cabeça das imagens de Òrìsànlá e Yemowo.
Um ajudante de Óbàlálásé arrasta, com a forquilha, a cabra abatida, evitando tocá-la, e a lança no mato.
A multidão grita: “Gbákú ló, gbárùn ló!!!”
“Leva a morte para longe, leva as doenças para longe”
Em contraste com a primeira cabra sacrificada, cuja carne foi cozida e distribuída para ser ritualmente
comida pelos presentes, em comunhão com os deuses, a carne da segunda cabra, que substituiu a vítima humana, não pode ser tocada nem comida, pois seria atrair sobre si a morte e as doenças… e praticar antropofagia.
Terminada a cerimônia desse dia, as imagens dos deuses são novamente enroladas nos panos brancos, levadas a Ideta-Ilê e reinstaladas no ilésìn até o ano seguinte.
No último dia, consagrado a Yemowo, os sacerdotes e seus auxiliares vão à floresta sagrada dessa divindade, a Ita-Yemowo. Levam para ali um acento de madeira esculpida, àgá Yemowo, devidamente lavado e purificado com a infusão de folhas e enfeitado com traços brancos. Um dos sacerdotes, dedicado a Yemowo, entra em transe, possuído por essa divindade. A expressão de seu rosto, com seu ar distante, lembram o transe de Óbàlásé na floresta de Ideta-Oko, porém mais calmo e tranqüilo. Transformando-se momentaneamente em Yemowo, o sacerdote é revestido com um grande pano branco e amarra em sua cabeça um turbante também branco. Seguida por uma grande multidão, na qual predominam as mulheres, algumas das quais tiveram filhos por sua intercessão, Yemowo, encarnava, vai sentar-se em sua cadeira, em frente ao palácio de Oòni. Porém o descendente de Odùduà não se apresenta e Yemowo retira-se para o templo de Ideta-Ilê. Esta visita de Yemowo é repetida duas vezes mais sem que o Oòni apareça; entretanto, a cada vez, ele envia nozes de cola a Ideta-Ilê por um mensageiro.
Não obtivemos explicação sobre o sentido preciso dessa parte do ritual. Parece tratar-se de uma referência aos esforços sucessivos que antigamente fez Yemowo para restabelecer a paz entre Òrìsànlá e Odùduà e a acolhida reticente reservada por este último aos esforços de pacificação.
Osalufã (Òrìsà Olúfon)
Òrìsà Olúfón, Òrìsà fun, velho e sábio, cujo templo é em Ifón, pouco distante de Osogbô. Seu culto permanece ainda relativamente bem preservado nessa cidade tranqüila, que se caracteriza pela presença de numerosos templos, igrejas católicas e protestantes e mesquitas que atraem, todas elas, aos domingos e sextas-feiras, grandes números de fiéis de múltiplas formas de monoteísmos importados do estrangeiro. Em contraste, infelizmente, com essa afluência, o dia da semana ioruba consagrado a Òrìsànlá só interessa atualmente a pouca gente. Exatamente um pequeno núcleo de seis
sacerdotes, os Ìwèfà méfà (Aájá, Aáwa, Olúwin, Gbógbó, Aláta e Ajíbódù) ligados ao culto de Òrìsà Olúfón e uns vinte olóyè, os dignitários portadores de títulos, que fazem parte da corte do rei local, Óbà Olúfón.
A cerimônia de saudação ao rei de dezesseis em dezesseis dias pelos Ìwófà e pelos Olóyè é impressionante pela calma, simplicidade e dignidade. O rei, Olúfon, espera sentado à porta do palácio reservada só para ele e que dá para o pátio. Ele estava vestido com um pano e um gorro brancos. Os Olóyè avançam vestidos de tecido branco amarrado no ombro esquerdo, e seguram um grande cajado. Aproximam-se do rei, param diante dele, colocam o cajado no chão, tiram o gorro, ficam descalços, desatam o tecido e amarram-no à cintura. Com o torso nu em sinal de respeito, ajoelha-se e
prostra-se vária vez, ritmando, com uma voz respeitosa, um pouco grave e abafada, uma série de votos de longa vida, de calma, felicidade, fecundidade para suas mulheres, de prosperidade e proteção contra os elementos adversos e contra as pessoas ruins. Tudo isso é expresso em uma linguagem enfeitada de provérbios e de fórmulas tradicionais. Em seguida, os Olóyè e os Ìwèfà vão sentar-se de cada lado do rei, trocando saudações, cumprimentos e comentários sobre acontecimentos recentes que
interessam à comunidade. A seguir, o rei manda servir-lhes alimentos, dos quais uma parte foi colocada diante do altar de Òsàlúfón, para uma refeição comunitária com o deus.
Osaguiã (Òrìsà Ògiyán)
Òrìsà Ògiyán é um òrìsa funfun jovem e guerreiro, cujo templo principal encontra-se no Ejigbô. Foi a esse local que este òrìsa chegou, depois de uma viagem que o fez passar por vários lugares; num deles, Ikiré deixou um de seus companheiros que se tornou o opulento Òrìsà-Ìkìrè.
Chegando ao ponto final de sua viagem, tomou o título de Eléèjìgbó, rei de Ejigbô. Porém, uma característica deste òrìsa era o gosto descontrolado que tinha pelo inhame pilado, chamado iyán, que lhe valeu o apelido de “Òrìsa-Comedor-de-Inhame-Pilado”, o que se exprime em ioruba pela frase Òìsà-jé-iyán e pela contração Òrìsàjiyán ou Òrìsàgiyán. Comia inhame dia e noite; de fato, o inhame era-lhe necessário há todas as horas. Dizem que ele foi o inventor do pilão para facilitar a preparação de seu prato predileto. Também, quando um elégùn desse òrìsa é possuído por ele, traz sempre na
mão, ostensivamente, um pilão com alusão a sua preferência alimentar. Esse detalhe é conhecido no Brasil pelas pessoas consagradas a Osaguiã que, quando estão em transe durante suas danças, agitam com a mão, infalivelmente, o pilão simbólico. Além disso, a festa que lhe oferecem todos os anos chama-se “o Pilão de Osaguiã”.
Por ocasião das cerimônias anuais em Ejigbô, a tradição exige que os habitantes de dois bairros da cidade, Osolô e Oke Mapô, lutem uns contra os outros a golpes de varas durante várias horas. Uma história de Ifá explica a origem desse costume com a seguinte lenda:
“Certo Awoléjé, babalawo companheiro e amigo de Eléèjìgbò, havia-lhe indicado o que deveria fazer para transformar a aldeia de Ejigbô, recentemente fundada, em uma cidade florescente. Em seguida, dirigiu-se para outro lugar. Em alguns anos, a aglomeração tornou-se uma grande cidade, cercada de muralhas e fossos, com portas fortificadas, guardas, um palácio para Eléèjìgbò, numerosas casas, um grande mercado para onde vinham de muito longe, compradores e vendedores de mercadorias diversas e escravos. Eléèjìgbò vivia em grande estilo e era costume, quando se falava de sua pessoa, designá-lo pelo termo bajulador Kábiyèsi (‘Sua Majestade Real’). Ao cabo de vários anos, Awoléjé voltou e, embora babalawo, nada sabia da grandeza de seu amigo, o ‘Comedor-de-Inhame- Pilado’. Chegando ao posto da guarda, na porta da cidade, pediu familiarmente notícias do Ojiyán. Os guardas surpresos e indignados com a insolência do viajante para com o soberano do lugar agarraram Awoléjé, bateram-lhe”. cruelmente e o prenderam. O babalawo ferido vingou-se utilizando seus poderes. Ejigbô conheceu então anos difíceis: não chovia mais, as mulheres ficaram estéreis, os cavalos do rei não tinham mais pasto e outros dissabores. Eléèjìgbò fez uma pesquisa e soube da prisão de Awoléjé. Ordenou imediatamente que o pusessem em liberdade e pediu-lhe para perdoar e para esquecer os maus-tratos de que fora vítima. “Awoléjé concordou, mas com uma condição: ‘No dia da festa de Òsàgiyán, os habitantes de Ejigbô deveriam lutar entre si, com golpes de varas, durante várias horas’”.
Esta flagelação expiatória realiza-se todos os anos em presença de Eléèjìgbò, enquanto as mulheres consagradas ao òrìsa cantam os oríkì e batem no chão com o ìsán, varinhas de atori (Glyphea laterifolia), para os mortos, e fazê-los participar da cerimônia. Elas exortam Osaguiã a fazer reinar a paz e a abundância em sua cidade e a mandar chover regularmente. Os axés do deus são trazidos da floresta sagrada, onde se encontra seu templo. Terminada a luta, forma-se um cortejo, precedido por Eléèjìgbò. A multidão entra dançando no palácio, onde os axés ficaram por algum tempo. Depois, retornarão acompanhados por Eléèjìgbò e seu séqüito até o templo de Osaguiã, em sua floresta sagrada. A multidão enche logo a clareira, levando gamelas com oferenda de alimentos, onde figura em lugar de destaque, a massa de inhame bem pisada nos pilões e que será comida em comunhão com o deus.
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