quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

A Busca de Esù

Osun, sabendo que Esù não descansaria enquanto não a encontrasse, saiu espalhando, pelas tribos por onde passava que resgatara os bens valiosos que lhe foram roubados e que ele havia mentido quando disse a todos que eram suas descobertas. Por conta das peripécias dele e sua grande capacidade de inventar histórias, todos tenderam a acreditar na Iyàgbá, dando-lhe cobertura na fuga, mas sem lhe dar guarida, por temerem perder a simpatia dele.
Diante da dificuldade em se esconder, ela decidiu pedir abrigo a Òsóòsi, seu grande amor. Depois de ouvir a versão dela, ele decidiu abrigá-la em sua mata. O caçador tinha ciência de que o sagaz pandego não a incomodaria, enquanto estivesse por perto, mas sabia que, quando fosse caçar, nada deteria o furioso òrìsá, assim aconselhou Osun a procurar Iemanjá, cujo reino ficava no fundo do mar.
Depois de uma longa busca, Esù ficou sabendo onde a deusa da beleza estava escondida. Inconformado ele foi ao reino de sua mãe, com a certeza de que ela o ouviria a ponto de fazer Osun devolver-lhe seus bens preciosos.
Ele foi bem recebido, mas Iemanjá parecia ressabiada com a presença dele.
- Minha mãe! Disse ele com reverência.
- Meu filho! O que o traz por estes lados? Indagou tentando disfarçar.
- Minha mãe deve saber o motivo de minha inusitada visita, já que não costumo vir a seu belo reino. Esù ironizou.
- Bom! Já deveria saber que não viria aqui simplesmente para me ver.
- Já sei que Osun deve ter contado sua versão, fiquei sabendo em algumas tribos por onde passei. Espero que pelo menos a senhora minha mãe acredite na minha versão - falou curvando-se em respeito à benevolente Iyàgbá.
- Como posso acreditar em suas histórias, sendo que já mentiu tanto para todos. Quem pode me assegurar que conta a verdade agora? Desafiou Iemanjá.
- Como pode preterir seu próprio filho, para proteger uma Iyàgbá tão perversa!
Ele levantou, soltando chispas pelos olhos, fincou o pé no chão, levantou seu tridente e continuou furioso.
- Minha mãe pode escondê-la por enquanto, mas não sossegarei enquanto não obtiver o que por direito me pertence!
Ele virou-se de costas para Iemanjá, mostrando indignação e desrespeito, e saiu rapidamente, deixando suas pegadas ardendo em fogo no caminho que tomou para sair do reino.
À medida que andava, Esù sentia a fúria transformar-se em consternação: como sua mãe escolheu proteger Osun que o roubara?
Óosáàlá e Sàngo vinham conversando animados pelo caminho, andavam em direção ao reino de Iemanjá. Falavam sobre a evolução dos reinos, as guerras e as doenças. Às vezes riam, às vezes calavam-se, buscando levantar novos assuntos para deliberarem. Foi num intervalo destes que Sàngo avistou mais à frente alguém caminhando cabisbaixo.
- Olhe meu ‘pai’, aquele não é Esù? Perguntou Sàngo, apontando na direção do pandego.
- Sim! Mas o que aconteceu para estar tão absorto? Indagou Óosáàlá.
Esù nunca foi visto daquele jeito, sempre aparecia animado, sorridente e sempre atento, prestes a pregar a peça em alguém. Tal comportamento despertava o interesse de qualquer um que o visse.
- O que aconteceu com você, meu filho? Indagou Óosáàlá, ao chegar perto de Esù - Parece que é algo muito grave!
O tristonho contou-lhes o que sucedera: a conduta de Osun e o desprezo de Iemanjá.
Frente à atitude de sua amada, Iemanjá, Óosáàlá começou a desconfiar dele, devido seus antecedentes, já que tanto ele quanto Sàngo não sabiam do ocorrido. Frente ao relato, ele disse em tom punitivo, apoiando-se em seu cajado:
- Vejo que você não tem jeito! Sempre arrumando confusão! Ordeno...
- Espere, meu ‘pai’! Atalhou Sàngo - acredito que, antes de condená-lo, deveríamos ouvir Osun, para sabermos o que realmente aconteceu.
Diante do conselho de tão justo òrìsá, Óosáàlá pensou e decidiu ouvir a versão de Osun.
Os três dirigiram-se para o reino de Iemanjá rapidamente, Óosáàlá ouvia os conselhos de Sàngo, enquanto Esù não dizia uma palavra.
O ‘senhor do fogo’ não quis entrar no reino, seguiram então Óosáàlá e Sàngo, ansiosos para encontrarem Osun.
Uma vez no reino de Iemanjá, Óosáàlá ordenou que a bela Iyàgbá viesse a sua presença, para relatar-lhes o acontecido. Ela então veio e contou sua versão, chorando e soluçando. Quando o supremo tendia a acreditar na história dela, Sàngo interviu, dizendo que seria necessário colocar os dois frente a frente, para apurar quem dizia a verdade.
Osun mostrou-se resistente perante a ideia, temendo ser desmascarada, alegou estar com medo da fúria de Esù. Sentindo que algo de errado havia na recusa, Óosáàlá prometeu que nada lhe aconteceria e convocou todos os òrìsás para um conselho.
A bela Iyàgbá, sabendo do profundo amor que o fanfarrão tinha por ela (o mesmo fizera questão de espalhar pelos quatro cantos do mundo, dizendo que ela um dia seria dele), foi com suas mucamas para da tenda de Esù, ofertando-lhe um vinho, cuja safra deixava inveja ao néctar dos deuses. Ele não escondeu a surpresa e a satisfação de ter sua amada procurando sua companhia, de um salto ordenou aos convivas que se afastassem, alegando ter que dar atenção à Iyàgbá. Convidou-a educadamente a dividir seu aconchego, oferecendo uma deliciosa carne provinda da caça de Òsóòsi.
Deixando-se levar por seus prazeres, Esù entregou-se totalmente aos encantos de Osun, sem tirar nenhum momento os olhos da bela Iyàgbá, cujas madeixas eram enfeitadas com flores amarelas. Para agradá-la ainda mais, pediu a seus serviçais que enfeitassem sua tenda com tecidos amarelos que eram a cor preferida dela.
Osun dócil e sensual, apesar de ter várias mucamas, tomava para si a tarefa de colocar uvas e os nacos de carne mal passada na boca do pandego, que a cada mastigada gemia de prazer, que com certeza não eram simplesmente pelo maravilhoso gosto do alimento. De quando em quando ele jogava-se no colo dela com a boca aberta, apontando para a quartinha de vinho, fingindo uma incontrolável impotência. Ela, por sua vez, graciosamente pegava e virava o recipiente com tal precisão que nenhuma gota caía. Depois de saborear o gole de tão sagrado líquido, uivava feito um animal no cio, chacoalhando os braços e a cabeça, deixando o suor do seu corpo espalhar-se pelo aposento, às vezes chegava a levantar-se e saltar, deixando-se levar pelo ímpeto do êxtase. Nesta ora bastava a Iyàgbá tocar-lhe docilmente, para amansá-lo e fazer com que deitasse de novo ao seu lado.
Difícil saber qual prazer era maior: por um lado Esù gozava o prazer de ter a seu lado uma Iyàgbá, cuja beleza encantava a qualquer ser e ele nunca pôde chegar tão perto dela, mal podia acreditar no que acontecia, por outro lado Osun deleitava-se ao ter sob seu domínio tão viril e indomável pandego, cuja sagacidade e disposição todos invejavam. 
Depois de muito beber, ele se entregou por inteiro aos encantos da Iyàgbá, que, com toda sua infinita sedução, tentava convencê-lo a mostrar-lhe a caverna onde ele habitava. Entorpecido pelo vinho e pela beleza dela, concordou em revelar esse grande segredo.
Depois da festa Esù dispensou os serviçais e saiu pela mata carregando Osun nos braços, fazendo cumprir o que prometera. O caminho era longo e mesmo sob os afagos infalíveis dela, ele ia pensando no que estava preste a fazer, se valeria à pena ou não. Chegando perto de sua gruta, Esù deu ouvido à sua intuição e fez um encanto, colocando a Iyàgbá para dormir, para ela não saber onde era à entrada de sua morada, assim não haveria arrependimento de forma alguma.


Osun acordou num lugar iluminado por labaredas que saiam de fendas no chão, estava deitada sobre macias peles de animais que não davam para precisar quais eram. Sobre sua cabeça havia centenas de estalactites no teto da ampla caverna, cuja cor estava perto do laranja ou vermelho, dependendo da oscilação das chamas. Quando se levantou, observou que aos pés dos aposentos uma cesta repleta de mamões, seus frutos prediletos. Num giro pelo lugar pôde ver a amplitude da caverna que era repleta de aberturas laterais, eram como portas que poderiam dar em qualquer lugar.
Indignada começou a rodar em volta de si e gritar desesperada:
- Esù, Esù, onde está você? Por que me abandonou aqui?
Sua voz ecoava pela caverna fazendo parecer que havia muitas pessoas lá arremedando sua voz, isto irritava fazendo com que ela colocasse as mãos aos ouvidos e ajoelhar-se no chão. Depois de muito choro e lamentos, decidiu calar-se. Quando se levantou para arriscar entrar em uma das aberturas da caverna, ouviu um barulho que parecia ser de alguém que chegava.
De uma das aberturas atrás dela surgiu sorridente Esù, perguntando docilmente:
- Oh! Minha amada, já acordou?
Desculpe-me a ausência, precisei retirar-me por um instante apenas para guardar o meu pedaço de Oorum.
- Você não cumpriu o combinado!
Trazia-me no colo e de repente, acordei aqui sozinha, sem nem saber como aqui cheguei!  Disse ela furiosa.
- Nada posso fazer se no meio do caminho você adormeceu. Mas não vejo onde não cumpri o combinado, já que você agora conhece minha caverna. Não se alegra ao saber que é a única a conhecê-la? Disse ele astutamente deitando-se sobre as peles.
Vendo a possibilidade de seu plano ir por água abaixo, ela se jogou ao chão e começou a chorar.
Comovido pelos soluços da Iyàgbá, ele chegou perto e lhe acariciou os cabelos, tirando deles as pétalas das flores soltas. Percebendo a comoção do pandego, ela chorava mais e mais.
- Não é necessário tal pranto, o que fiz eu de errado? Perguntou Esù pacientemente.
- Nada - disse ela, enxugando as lágrimas do rosto com as mãos - eu que sou uma tola.
Como posso estar aqui aos prantos na presença de tão viril e belo òrìsá?
- Então por que chora? Disse ele totalmente embebido em sua vaidade.
- É que eu gostaria de tocar o pedaço do Sol, uma vez que é parte dos meus pais, que há muito me deixaram em nome de iluminar o mundo em que vivo. Sinto que isto me faria matar um pouco da saudade que sinto deles.
- Sinto seu pesar, mas acredito que tal objeto só aumentará a falta que sente! Disse Esù, procurando esquivar-se.
- Engano seu, eu sei que será bom para mim! Ela insistiu.
- Bom! Então eu vou buscar! Concluiu virando-se em direção à abertura de onde saíra há pouco.
- Não! Espere! Eu não vou ficar aqui só de novo! Falou, correndo atrás do pandego.
- Lamento, mas não poderá ir até minha gruta secreta! Esù mostrou-se arredio.
- Por que não quer que eu vá até sua câmara secreta, se nem sequer sei chegar até aqui.
Esù pensou por um momento e caiu diante do argumento da Iyàgbá, concordando que ela não oferecia perigo nenhum.
Os dois iam pelas grutas, enquanto Esù, esperto, entrava em várias aberturas, procurando deixá-la desnorteada.  Osun, usando de toda sua sagacidade, foi jogando pelo caminho as pétalas das flores que estavam em suas melenas, com o máximo cuidado, para ele não perceber.
Quando chegou à câmara secreta de Esù, ela ficou maravilhada, ao ver tantos pertences valiosos, e não economizou elogios ao pandego, que parecia desmanchar-se a cada palavra. Ele se abaixou e pegou a bola brilhante e entregou nas mãos dela. Uma sensação esquisita tomou conta da Iyàgbá, tal objeto mostrou que exercia uma imensa força sobre seu ser, um forte desejo de ter o pedaço de a qualquer custo, seus olhos brilhavam e espelhavam os pensamentos maléficos que passavam pela sua mente, fazendo com que tirasse os pés do chão por um instante, várias ideias sem nexo boiava na sua cabeça, o brilho da esfera fazia sua cabeça girar, girar...
- Osun! Osun! Este é o presente que ganhei de Ifá, o jogo de búzios - disse Esù entregando a ela as conchas.
As palavras dele trouxeram-na de novo a realidade, ela, como se tivesse acordado de um sonho, entregou-lhe a bola com uma imensa dor e pegou o jogo.
- Veja! É através deste jogo que fico sabendo presente, passado e futuro...
- Maravilhoso! Disse ela, pegando as conchas e comprimindo-as ao corpo como se quisesse que elas atravessassem sua pele, num estado hipnótico. Chegou a pensar em Ifá, seu tio, com ressentimento.
Enquanto Esù mostrava seus tesouros, ela não parava de pensar em como adquirir a bola dourada, às vezes soltava um elogio furtivo, tentando disfarçar seu intento.
Depois de saciada a curiosidade dela, ele a levou para os seus aposentos, para eles se deleitarem. Sem esquecer seu plano, a bela Iyàgbá entregou-se a um grande momento de amor, fazendo o pandego suar, uivar e gastar sua energia, falando falsas palavras de amor eterno com as quais ele delirava. Depois de muito tempo, o grande vigor dele caiu por terra, ela o levara à exaustão, fazendo-o cair em sono profundo.
Quando teve a certa de ele não levantaria, ela, seguindo as pétalas pelo chão, correu para o esconderijo na intenção de resgatar o objeto que, para ela, pertenciam-lhe por direito. Chegando à câmara secreta ela se abaixou para pegar a esfera, viu os búzios e decidiu levá-los também. Rapidamente ela pegou um pedaço de seu asó, fez uma trouxa onde ocultou os objetos e silenciosamente voltou para os aposentos. Na ânsia de obter o que queria, ela se esqueceu de como faria para sair dali, olhava para as aberturas na caverna e começou a sentir-se tonta. De repente prestou a atenção nas labaredas que saiam do chão e constatou que de uma das aberturas sobrava um vento quase imperceptível. Usando toda sua intuição, foi seguindo a brisa pelas aberturas da caverna.
Ao despertar todo amoroso, ele procurou Osun pelos seus aposentos na intenção de elogiá-la pela grande noite de amor. Quando descobriu que ela não estava, ele correu para a sua câmara secreta, lá deu falta de seus bens preciosos. Cuspindo fogo por toda caverna, Esù decidiu vingar-se. Foi correndo e vociferando pela gruta em direção à saída.
Osun já estava quase saindo, quando ouviu o eco dos berros de Esù. Procurando preservar-se, ela correu sem olhar para trás. Ele saiu da caverna emanando fogo para todos os lados, fazendo a floresta arder em fogo. Quando avistou um rio, ela mergulhou em suas águas, para fugir das chamas.

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